Santo Tomás de Aquino: “O terceiro efeito do amor divino é oferecer-nos refúgio contra a adversidade. Nada pode ofender, tudo serve àquele que ama a Deus.”

O amor de Deus nos constrange, afirma São Paulo. Constrange-nos, entre outras razões, quando, em meio às tempestades da vida, ao olharmos às circunstâncias desfavoráveis, logo tombamos e ficamos como que descrentes das promessas divinas. Que o Pai Celeste nos perdoe por esse desespero ingrato que nos acomete quando nossa fé é provada. Não foi Deus que afirmou que estaria conosco até o fim do mundo? O que há a temer diante de tão radiosa promessa? Epidemias, fome, guerra? Nada vos separará do Amor de Deus que está em Nosso Senhor Jesus Cristo (Romanos 8, 35). Afinal, um dia afirmou Santo Afonso, em consonância com os Patriarcas e com a Tradição, que é do Senhor que nos vem os bens, e também os males. Se de Sua mão partem os males, não é também para que O amemos tanto mais? Muito temos feito para agravar a ferida do Coração do Senhor: as injúrias, as ingratidões, as indiferenças são-Lhe cruciantes. Mas o unguento Ele mesmo nos oferece: penitenciai-vos, o Reino de Deus está próximo, está dentro de vós. O amor, é bem verdade, só se prova na dor, esta que foi imensa no seio do Inocente Cordeiro de Deus e no Coração Sagrado de Sua Mãe, em prova infinita de apreço por nós. Creiamos neste Coração afetuosíssimo e cheio de misericórdia a oferecer: aos pés da Cruz está toda a força de que precisamos para suportar as calamidades. Creiamos: chegou a oportunidade de arder nas chamas do fogo forte do Amor. 

Santa Teresinha

Eis aqui, para fins de ensino e consolo, excertos do livro “Tratado dos dois preceitos da Caridade e dos mandamentos da Lei de Deus” do angélico doutor e santo Tomás de Aquino.

« Muitos dizem: quem nos ensinará o que é o bem? »

Como se não soubessem o que devem fazer! Porém o Rei profeta lhes responde nestes termos : «Senhor, vós pusestes em nós a vossa luz.» Isto é, essa luz intelectual que nos esclarece sobre nossos deveres. Esta lei, dizemos, foi dada ao homem no momento da criação; mas o demônio submeteu a criatura de Deus a uma outra lei, à lei da concupiscência. Enquanto o primeiro homem foi fiel ao seu Criador, observando os preceitos divinos, a carne obedeceu também ao espírito, e os sentidos permaneceram submissos à razão. Mas, depois que o homem, cedendo às pérfidas insinuações de Satanás, se revoltou contra Deus, os sentidos se revoltaram também contra a razão, e a carne contra o espírito. Daí vem que o homem, posto queira o bem que a razão lhe mostra, é arrastado ao mal pela concupiscência. Esta luta de que é teatro a nossa alma, S. Paulo a descreveu·em uma de suas Epístolas aos Romanos (Rom. 7) << Vejo, diz ele, em meus sentidos uma lei que combate a lei de meu espírito. >>

São João

Observemos que há dois motivos, que desviam o homem do mal e o conduzem ao bem, a saber, o temor e o amor

O que o induz antes de tudo e mais poderosamente a evitar o crime é o pensamento do inferno e das penas aplicadas ao criminoso pelo soberano Juiz.

Eis aí porque diz o Eclesiastes: “O temor do Senhor desvia o pecado.” Sem dúvida aquele que se abstém de fazer o mal pelo temor do castigo, não é ainda virtuoso: mas tem chegado ao ponto de partida da virtude. Assim a lei mosaica desviava o homem do mal e o conduzia ao bem pela ameaça e o temor. «Todo aquele que violava um preceito dessa lei severa, era morto sem piedade, em presença de duas ou três testemunhas» como recorda S. Paulo aos Hebreus. (Heb. 10.) Mas o temor é um motivo insuficiente para desviar o homem do mal, e conduzi-lo ao bem: a lei mosaica só sujeitava aos seus preceitos o homem físico, o homem espiritual escapava ao seu poder. Era necessário pois à virtude um novo motivo, uma moral uma nova lei: esse motivo é o amor, essa lei é o Evangelho. Assim a lei do temor sucede a lei do amor.

« Todo aquele que tem a caridade vive em Deus e Deus vive nele » diz S. Paulo

O amor transforma ainda aquele que ama, e o torna semelhante ao objeto amado. Se amamos um objeto vil e desprezível, tornamo-nos vis e desprezíveis como ele.

Ouvi as palavras do profeta: «tornaram-se abomináveis como os objetos que amaram.» (Ose. 1). Pelo contrário, se amamos a Deus, tornamo-nos homens divinos: porque «aquele que é unido a Deus recebe dele a vida espiritual.» (Cor. 4)

Não se deve esquecer que aquele que possui todos os dons do Espirito Santo sem o amor, não possui a vida. O dom das línguas, o dom da fé e todos os outros dons da graça, não podem dar a vida, se não se acham reunidos ao amor.

Ainda que se envolva um cadáver em vestuários onde brilhe o ouro de envolta com as pedras preciosas, ele não deixa por isso de ser cadáver. Assim, pois, é a vida espiritual o primeiro efeito do amor divino.

Ele realiza grandes coisas, se o amor o anima verdadeiramente; se se recusa à pratica da virtude, o amor não habita em seu coração: por consequência, o sinal mais manifesto do amor divino é a prontidão em cumprir os mandamentos de Deus.

Nosso Senhor rezando

O terceiro efeito do amor divino é oferecer-nos refúgio contra a adversidade. Nada pode ofender, tudo serve àquele que ama a Deus, tudo concorre em seu proveito: (Rom. 8)

Posto que o Apóstolo diga que o amor cobre uma multidão de culpas, Salomão assegura que as cobre todas: é que prova o exemplo da Madalena, dessa pecadora arrependida, que o Senhor mostrava a seus discípulos, dizendo: «Perdoados lhe são seus muitos pecados, porque muito amou. » (Luc. 7).

Mas dirá alguém, basta o amor por si só para apagar nossas culpas, e não é necessária a  penitência? A isso respondo que é impossível ter alguém um amor sincero sem ter ao mesmo tempo sincero arrependimento de suas culpas. Quanto mais amamos uma pessoa, tanto mais pesar temos quando a ofendemos. 

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Todos nós, segundo a expressão de Jó, achamo-nos « abismados nas trevas. » Muitas vezes não sabemos o que fazer, o que desejar

Mas o amor divino ilumina nossa alma, ensina-nos tudo o que é necessário à nossa salvação: é o que diz o Apóstolo: (I. João. 2) «a sua unção vos ensina todas as coisas.» Onde reina, pois, o amor divino, reina também o Espírito Santo que tudo conhece, que nos guia «no caminho da justiça» (Salm. 138) segundo a expressão do Rei profeta. «Vós que temeis a Deus, diz o Eclesiastes, (Ecl. 2) amai-O, e vossos corações serão esclarecidos» isto é, tereis tudo quanto é necessário à vossa salvação.

Aquele que ama a Deus o possui inteiramente, e acha nele seu descanso e felicidade. «O que ama a Deus, diz o Apóstolo, (João. 4) permanece em Deus, e Deus permanece nele.»

Rei

O amor divino produz ainda em nós uma paz perfeita

Porque «o coração do ímpio é como um mar agitado, que não pode acalmar. » (Isaías. 57-20) «Não há paz para os ímpios, diz o Senhor.» (Ibid. 21). Mas não acontece assim com o que é animado pelo amor divino. Quando se ama a Deus, goza-se de perfeita paz. «Senhor, exclama o salmista, gozam muita paz os que amam a tua lei, e não há para eles tropeço.» (Sal. 113.).

«Meu Deus, exclama S. Agostinho. (Conf. 1) Vós nos fizestes para vós, e nosso coração está inquieto enquanto não descansa em vós.» «Ó minha alma! exclama também o Rei profeta, bendize ao Senhor que enche de bens o teu desejo.» (Sal. 102).

 

 

Fonte: Tratado dos dois preceitos da Caridade e dos mandamentos da Lei de Deus, pp. 16-32.
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